quinta-feira

Ainda sobre os premios literarios

Há uma subjetividade intrínseca da qual não se pode dar conta. É preciso acreditar ou, pelo seu inverso, lutar (dentro, propondo mudanças; fora, em forma de resistência). Um modelo que não é só da literatura, mas dos sistemas sociais: sempre tem gente de dentro, gente de fora e gente em cima do muro. Os que não estão sobre o muro, e têm uma opinião definida, precisam acreditar, e acreditam (contra ou a favor), são convictos, de alguma forma, às vezes não em todas as situações. Aqui vale a máxima de que cada caso é um caso, ora pois, diriam nossos patrícios.

O fato é que os lugares fornecidos pelos prêmios literários vão sempre para os que acreditam, em si e/ou no sistema. Alguns conseguirão pela resistência, outros por fazerem parte do esquema e tem aqueles, incautos, que conseguirão pela sorte de estarem no lugar certo, no momento certo e coisa e tal. Caiu no colo? Talvez. Cartas marcadas? Talvez. Informações privilegiadas? Talvez. Amigo do júri? Talvez. Competência? Provavelmente. Para estes, sempre haverá um algo parecido com Menção Honrosa, respeitando-se, aqui, a idoneidade do concurso [para participar de um, é preciso saber escolher os de boa fé – ou, no mínimo, os menos mafiosos –, faz parte do jogo].

Também não se pode negar o movimento pelo inverso. Como no esporte, nem sempre é o melhor aquele que vence. Nem sempre a arbitragem é a mais correta, ou a mais imparcial. Há uma subjetividade intrínseca da qual não se pode dar conta. Quando eu fazia curso preparatório para me tornar árbitra de basquetebol (aos que não sabem, sou formada em Educação Física), uma situação de dúvida foi colocada por parte dos instrutores:
“num lance em que dois jogadores disputam e, quase ao mesmo tempo, as mãos de ambos jogam a bola para fora da quadra, como um árbitro deve se comportar caso ele não saiba exatamente qual foi o jogador que tocou a bola por último?”
A resposta foi óbvia, e todo juiz sabe: nestas situações o árbitro deve apontar a posse de bola para qualquer um, e apenas um dos times, com convicção, apito firme para manter a autoridade em quadra. Como eu fui atleta, e como a maioria de nós tínhamos uma relação bem próxima com a modalidade, esta resposta não nos surpreendia. O que me chamou mesmo a atenção foi a frase do instrutor, árbitro internacional:
“o árbitro, em cada lance, pode ouvir reclamação e xingamentos de apenas um dos times, se ele ouvir dos dois lados ao mesmo tempo, não estará fazendo uma boa atuação em quadra e, neste caso, é lógico que você vai apontar a bola em favor do time que você tem mais afinidades. Um exemplo: eu não gosto do Oscar [o mão santa], e se eu tiver dúvidas, não vou dar a posse de bola pro time dele”.
Um exagero? Talvez. O fato é que se este tipo de atitude não for intencional, muitas vezes ela pode ser inconsciente, a psicanálise explica. E o mesmo pode acontecer em literatura.

Quem é que garante ser idôneo e imparcial full time na vida? Ora, os jurados, em quaisquer áreas, também estão suscetíveis aos desvios conscientes e às armadilhas inconscientes. Quer seja porque um deles se identifica com um tipo de escrita e não outro, ou porque um tema tenha lhe tocado mais fundo, mesmo que o valor literário não esteja aí arraigado, ou o inverso, tem jurados que só analisam a estrutura do texto e deixam de lado o conteúdo, quer seja porque ele tenha reconhecido o estilo do seu amigo escritor e quis dar aquela forcinha, mesmo que o texto não apresente o melhor embate. E tudo isso pode ser um ato inconsciente já que há uma subjetividade intrínseca da qual não se pode dar conta, a psicanálise não se cansa de explicar.

O fato é que é preciso acreditar e arriscar. No meio da semana recebi um telefonema dizendo que meu livro, ainda inédito, ficou em 2º lugar no Prêmio Alejandro Cabassa, mulheres cronistas, promovido pela União Brasileira de Escritores. Eu, que ainda não conheço as pessoas que circulam no meio literário. Eu, que apenas um ano e meio atrás decidi que seria escritora, e que seria cronista. Eu, que ainda não sei o caminho das pedras. Eu, que nunca ganhei um tostão com literatura. Eu, que ainda me considero imatura. Eu, que acreditei na diferença do meu texto, preparei o original, submeti ao concurso sem ter tido tempo de mandar o texto para um revisor e pensando que, talvez, quem sabe, uma menção honrosa pudesse me cair nas mãos, já que eu não sou amiga, já que eu não sou conhecida, já que eu não tenho contatos, já que concursos são cartas marcadas, já que isso e aquilo outro e blá blá blá.

Sim, estou super feliz com meu 2º lugar. E mais esperançosa com o mundo dos prêmios literários. Eu e as pessoas que me conhecem, que também voltaram a acreditar, não só no sistema, mas em si mesmas:

“Como fico feliz! E acho que esta sua batalha nos dá um grande ânimo na nossa vida de nunca desistir! Grata e parabéns!”

Este foi apenas um dos emails que recebi dos amigos. E a conclusão é aquela, de sempre: é preciso acreditar, dentro ou fora do sistema. Participando ou fazendo resistência. É preciso ter convicções, se jogar no mundo e enfrentar a batalha. Sempre isso, a literatura é como a vida [um momento romântico para finalizar].